Sendo considerado um bem essencial para o sustento de uma família, o salário tem a proteção da legislação brasileira contra penhora e outros tipos de execução forçada, conforme disposição do art. 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, que considera impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”.
Essa é a regra. E como toda regra comporta exceções, a lei permite a penhora de rendimentos em dois casos específicos: (i) para pagamento de dívida alimentícia e (ii) para pagamento de qualquer outro tipo de dívida, nos casos em que a remuneração do devedor exceda 50 salários mínimos.
Ocorre que no ordenamento jurídico as regras não são estáticas; e nem deveriam ser, pois a interpretação das normas deve se amoldar às necessidades contemporâneas das sociedade, ao senso de justiça e, principalmente, à necessidade de entrega de uma prestação jurisdicional efetiva.
Foi nesse contexto que o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão proferida pela Corte Especial em sede de julgamento dos Embargos de Divergência EREsp nº 1.874.222/DF, admitiu a penhora de 30% do salário do executado, de aproximadamente R$8.500,00, para satisfação de uma dívida em torno de R$110.000,00. Conforme entendimento do Relator Ministro João Otávio de Noronha, “mostra-se possível a relativização do § 2º do art. 833 do CPC/2015, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família”.
Com esse entendimento, o STJ criou um importante precedente no sentido de se flexibilizar a regra de impenhorabilidade salarial e, pouco mais de um mês da prolação do acórdão da Corte Superior, os desembargadores da 36ª Câmara de Direito Privado do TJSP reverteram, com base no REsp 1.874.222 do STJ, uma decisão que havia negado a penhora de 30% do salário de um devedor (Agravo de Instrumento nº 2092071-84.2023.8.26.0000). Segundo o Relator, “justifica-se autorizar a penhora sobre 15% da remuneração auferida pelo agravado, por ser percentual modesto e que não prejudica a sua subsistência”.
O passo seguinte – e, talvez, o mais desafiador – será a definição, pelos Tribunais, do conceito do valor mínimo necessário para subsistência do devedor e de sua família, o que, claro, vai depender da análise de cada caso específico.